Memórias da familia Perfeito de Magalhães - omaganifico@gmail.com

domingo, 27 de dezembro de 2020



Há 122 anos, mais precisamente no dia 26 de Dezembro de 1898, perante a Académie des Sciences, Marie e Pierre Curie anunciavam ao mundo a descoberta dos elementos químicos polónio e rádio.

Pouco tempo depois desta enorme descoberta, um pouco por todo o mundo começavam a realizar-se inúmeros estudos quanto às potencialidades da radiação emitida pelo rádio para o tratamento de doenças dermatológicas e eliminação de tumores.
25 anos após a descoberta de Marie e Pierre Curie, em Portelo de Cambres, Lamego, Francisco Perfeito de Magalhães e Menezes, 3.º Conde de Alvellos e último Senhor da Casa da Corredoura, descobria as Águas Radioativas de Cambres, com as quais sonhou curar vários tipos de cancro e doenças dermatológicas.
Dessa verdadeira quimera do meu bisavô Francisco pretendo escrever uma pequena história assim que a vida profissional e familiar o permita. Não o podendo fazer já e verificando que, volta e meia, a existência destas águas suscita interesse, transcrevo infra a história da sua origem a partir de um excerto de um dos textos que tenho vindo a recolher, escrito pelo referido Francisco Perfeito de Magalhães e Menezes.
Interrogam-me curiosamente como teria descoberto as nascentes de Cambres.
Aqui fica o romance:
Certa casta de ciganos mesclando-se com aborígenes da alta beira ribeirinhos do Douro, haviam-se estabelecido há mais de século pelas bermas da estrada pombalina que, de Lamego, ainda hoje é o mais curto caminho para os embarcadoiros do rio e, localizando-se na Calçada de Portelo, termo de Penelas, onde lhe deram a alcunha de “lechanas”, encarregavam-se eles do ofício rendoso de almocreves, carregando a dorso de muares, cavalos e jericós o azeite, o vinho, cereais, frutas e legumes em exportação desse ubérrimo torrão. Quando suas azémolas iam ficando por demais lazarentas e as pretendiam revender como prestantes nas feiradas de Vila Real, Régua ou Lamego, afim de lhes disfarçarem as mataduras, cobriam as velhas úlceras com argilas que iam buscar, no sítio de Cambres, no leito do ribeirito que, no inverno, é a torrente de Avões e logo essas chagas incuráveis tomavam o aspecto de feridas recentes e acidentais, isto é, prometedoramente curáveis a breve prazo….
Porquê tão rápida transformação? Ninguém investigava sobre a virtude das argilas e as feiras sucediam-se ao ritmo dos anos, sempre a contento dos troquilhas lechanas.
Certa madrugada do verão de 1923, sobre uma das muitas noites de insónia que a grave doença da filha motivava, passeava a minha tragédia pelas margens do ribeirinho citado, quando reparei nos estranhos e coloridos reflexos que o nascer do sol arrancava de pequenos charcos estuantes ali quase a prumo; chamando um companheiro de acaso, velho pedreiro de profissão, que ia para o trabalho, mostrei-lhe os ligeiros arco-íris, dizendo: “Estrelas na terra, sinais de guerra!”. “é engano, fidalgo!” disse o outro jovialmente. “Estas águas são boníssimas, não para os pobres, porque os obriga a mais comer…. Até curam feridas e mazelas; os lechanas alveitares ali da Calçada que o digam….” E com a verbosidade filosófica do povo, foi desfiando toda a meada dos almocreves ciganos.
Mandei colher amostras das pequenas nascentes; enviei-as para análises qualitativas, quantitativas e espectro-químicas dos mestres e mês e meio depois, recebia este telegrama: “água de cambres sais rádium dissolvidos (a) Lepierre”.
Estava aberto o caminho para gastar uma fortuna, sem a consolação de salvar a inocente que, - Deus sabe – ali teria chamado o lenitivo do seu e meu calvário.
Sigamos nós na árdua tarefa.
Por 1929/1933, por milagre do céu para os crentes, ou para os materialistas por acaso providencial, quem isto escreve descobriu as nascentes radioativas de Cambres, no contacto franjado do granito com o xisto câmbrico, a justa meia distância (7km) e meia altitude (300 mts) entre a Régua e Lamego.
Anunciavam-se as primeiras curas de úlceras internas e externas e até, averiguadamente, de cancros julgados sem remédio, a fama alastra e, dentro do pais e lá fora esboça-se um alvoroto. Um grupo chefiado pelo diretor do Instituto do Cancro de Paris Dr. Yves-Louis Wickham, depois de minuciosas análises da água, começadas em Cambres, e ultimadas em Paris pelo técnico Muguet que fora assistente da esposa Curie (analises que plenamente confirmaram as já realizadas em Lisboa pelos Professores Lepierre e Pereira Forjaz) tendo achado ter Cambres mais do dobro do rádium do que Chão da Pena, posto que menor emanação, conforme a tabela oficial por litro.
O grupo Francês comprou então a concessão de Cambres e também o palácio da Corredoura anexo, onde inaugurou um sanatório que funcionou com crescente concorrência durante quatro anos, mas deflagrou a guerra e morrendo o Dr. Wickham, o grupo pensou vender o direito de exploração aos anglo americanos que haviam comprado teatralmente Chão de Pena, julgando os londrinos, que haviam ostentado tanta opulência para desenvolverem o combate à cancerose quando afinal todo o seu fim era, como o tempo demonstrou, precisamente o contrário! – abafar toda a concorrência ao radiam industrial americano!
Mas Londres a voltas com os seus próprios problemas, não reagiu ao apelo francês que, devido a dificuldades do após guerra, estava em dívida de impostos ao nosso governo. Este, para cobrança dos tributos, pôs em praça publica a concessão e o antigo concessionário, dentro do seu crédito judicial, veio a retomar a posse das Águas de Cambres que os Franceses só haviam pago por um apport insignificante. Mas para isto foi necessário vencer uma onerosa questão no Tribunal de Lamego, na Relação do Porto e no Supremo de Lisboa, demanda que demorou cinco anos, quebrando todas as energias morais e materiais”.
E depois a história destas famosas águas continuou, granjeando muita fama pelas curas que realizava, num percurso cheio de altos e baixos, até ao seu encerramento em finais dos anos 80 do século XX. Uma história que merece ser contada, feita do enorme sonho de um homem e de episódios que incluem tragédias familiares causadas pelo cancro, esperança, obstinação, coragem, o fim de uma fortuna, o descrédito por parte da comunidade médica, censura de Salazar, um francês de origem polaca, António Champalimaud, as Águas do Luso, a CEE .... mas isso fica para outro dia.
(imagem: panfleto publicitário das Águas de Cambres datado dos anos 30 do século XX. No lado direito da foto vê-se o barracão primitivo onde era captada a principal nascente - Água da Senhora da Ponte - das Águas de Cambres e vários funcionários a carregarem os garrafões nos quais era comercializada a água. No lugar do condutor da carrinha em primeiro plano está a minha avó Maria Perfeito de Magalhães e Menezes de Villas Boas de Mascarenhas Gaivão. Sentado em baixo, junto à roda dianteira, o meu tio avô Duarte Perfeito de Magalhães e Menezes de Vilas Boas (5.º Conde de Alvellos e último proprietário das Águas até ao seu encerramento em finais dos anos 80 do século XX). Ao fundo do lado esquerdo, Francisco Perfeito de Magalhães e Menezes. Do lado direito da imagem o símbolo das Águas de Cambres representando a radiação alfa, beta e gama presentes no rádio).

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Batizado de Duarte Miguel de Magalhães e Menezes de Villas-Boas


 

Batizado de Duarte Miguel de Magalhães e Menezes de Villas-Boas, 5.º Conde de Alvellos (10/021920 - …/…/1988), filho de Francisco Perfeito de Magalhães Vilas Boas (07/03/1875 -24/06/1960), 3.º Conde de Alvelos, e de Maria do Carmo Vilalva de Magalhães e Menezes de Villas-Boas (09/05/1886 - 12/02/1977), o qual veio a casar com Maria Helena Brazão de Sommer (23/11/1925 - …/…/2015).

Jornal “Época”, de 30/11/1920
Um batizado aristocrático
Na paroquial igreja de São Martinho de Cambres, no Bispado de Lamego, realizou-se no dia 24 do corrente, o batizado do último filhinho do nosso amigo Sr. Francisco Perfeito de Magalhães e Menezes.
Por breve especial concedido pela Santa Sé, derrogando o canon 761 do Código de Direito Canónico que expressamente estatui a assistência de dois padrinhos apenas, teve o neófito mais um: - o Senhor Dom Duarte Nuno de Bragança.
Sua Alteza Real dignou-se fazer-se representar na cerimónia pelo Sr. Dom Diogo Ruy Lopes de Carvalho Rebelo de Menezes Teixeira de Sousa (Poço), nas Beiras a veneranda relíquia do Partido Legitimista, que fazia realçar sob a barba branca dos seus robustos oitenta anos, a subida insígnia do Hábito de Cristo e a venera de brilhantes dos Cavaleiros de Malta, distinção tradicional na sua família.
Apadrinharam ainda a esplendida criança, os Barões de Vilalva, Sr. José de Magalhães e Menezes e sua esposa a Exma. Sra. D. Maria da Luz Mouzinho de Albuquerque de Mascarenhas Gaivão, que, ausentes na Africa Central Inglesa, se faziam representar por seus cunhados, e tios também ( ) Sr.ª D. Adelaide Maria Vilalva de Magalhães e Menezes.
Após a missa rezada pelo Rev. Cónego Vigário Mór de Cambres, Padre Cortez de Macedo revestido dos antigos e riquíssimos paramentos armoriados de lhama de ouro fino da Casa da Corredoura, assistido pelo Rev. Padre Ismael Augusto Guedes. O Rev. Abade de Ferreiros Padre Aníbal Rebelo Bastos deu ao novo cristão água lustral e os santos óleos, pondo-lhe o nome tão português de Duarte-Miguel para quem foi rogada a bênção de sua Santidade.
Rematou-se esta cerimónia por um almoço íntimo no Palácio da Corredoura.
A solenidade religiosa e ao almoço assistiram apenas algumas pessoas de família e outras mais intimas que citaremos: as Exmas. Senhoras: D. Adelaide Maria Vilalva de Magalhães e Menezes, D. Maria de Magalhães e Menezes Pinho d’Almeida, D. Mafalda Fuschini de Magalhães Vilas Boas e sua Filha D. Maria da Graça, D. Maria do Carmo Perfeito de Magalhães e suas filhas D. Maria, D. Isabel e D. Adelaide, D. Maria do Carmo Vilalva de Magalhães e Menezes e suas filhas D. Maria e D Fernanda e os Exmos. Senhores Dom Diogo Ruy Lope de Carvalho Rebelo de Menezes, os Revs. Padres Cónego e Vigário Mor Cortez de Macedo, Aníbal Rebelo Bastos e Ismael Augusto Guedes, Dr. Eduardo Pinho d’Almeida, Fernando Perfeito de Magalhães Vilas Boas e seus filhos Augusto e Manoel, Francisco Perfeito de Magalhães e Meneses e seu filho José.
Aos pais do novo e pequeno soldado da legitimidade, o nosso amigo Sr. Francisco Perfeito de Magalhães e Menezes que o Senhor Dom Miguel II tanto distingue, como seu Pai o Senhor Dom Miguel I tanto distinguiu o seu pai e avô dando-lhes com um titulo hereditário e tradicional dos seus maiores a Suas amizades e confianças pessoais, e a sua esposa a Exma. Senhora D. Maria do Carmo Vilalva de Magalhães e Menezes apresentamos os nossos parabéns e desejos sinceros de que o seu quarto filho, como todos, mostrando o grande nome que traz, não desminta a sua pura raça ancestral e saindo ao seus não degenere das gerações de sacrifico dos seus avoengos, sempre esforçados e honrados entre os mais honrados e esforçados portugueses”.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Notícias do funeral da Senhora D.ª Mécia dos Prazeres de Magalhães Perfeito

Funeral da antepenúltima Senhora da Casa da Corredoura, D.ª Mécia dos Prazeres de Magalhães Perfeito (14.04.1838 – 29.06.1903), filha de José de Magalhães e Meneses, 1.º Conde de Alvelos, e de Ana Adelaide Perfeito Pereira Pinto Rebelo Pinheiro de Aragão Sauzedo (da casa dos Pinheiros de Aragão, em Lamego), a qual foi herdeira de grande parte do património do seu Tio materno, António Perfeito Pereira Pinto Osório, anterior Senhor, entre outras, da Casa da Corredoura.

Jornal “A Nação”, 1 de Julho de 1903
Na sua casa da Corredoura, sobre o Douro, faleceu anteontem a Exma. Sra. D. Mécia dos Prazeres de Magalhães Perfeito, esposa do nosso tão presado amigo pessoal e político, António Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque.
A mais velha de um grupo de irmãos, de que já só ficam restando hoje a Sra. Viscondessa de Bettencourt e aquelo outo nosso também dedicado amigo Francisco Perfeito de Magalhães, a finada não desmereceu d’esse rancho simpático nem nas qualidades raras de ilustração que lhes eram comuns, nem na vontade varonil que todos distinguiu e distingue.
Do seu enlace com o mais caracterizado representante d’aquela distinção secular na fidalguia das Beiras, que é o Visconde de Mollelos, houve uma filha, cujo prematuro passamento, a um tempo trazia uma solução à continuidade de tradições queridas e o luto perpétuo ao espírito d’aqueles pais.
Agora, há meses, a concentrar ainda mais as nuvens d’aquele viver, a doença atormentadora e pertinaz veio com o martírio da doente, desassossegar, em cuidados e receios, marido e irmãos, que só ontem, ao fim de semanas de angústias, lograram descanso.
Bem conhecemos e bem avaliamos quanto sabem sentir corações moldados na mais pura educação: toparia, no entanto pelo egoísmo, preferir a continuação daquele martírio incurável, ao sentimento de uma falta irreparável, sim, mas bem compensada nos consoladores ensinamentos da Religião Cristã.
Deus se terá amerceado da alma da finada, a quem concedeu até aos últimos dias invejável fortaleza de espírito e a quem jamais faltou com as graças de uma crença e de uma resignação piedosas.
Ao nosso ilustre correligionário António Vieira de Tovar, apresenta esta redação, aliás interpretando por certo os sentimentos de todos os legitimistas portugueses e os da própria Família Real Exilada, que tanto o estima, a expressão sincera do nosso pesar.
Dignem-se também aceitar os nossos sentimentos as Sras. Viscondessa de Bettencourt e D. Adelaide Vilalva de Magalhães, e um apertado abraço o nosso bom amigo e ilustre engenheiro Francisco Perfeito de Magalhães”.
Jornal “A Nação”, 1 de Julho de 1903
“D. Mécia dos Prazeres de Magalhães Perfeito.
Faleceu
RIP
António Vieira de Tóvar de Magalhães e Albuquerque, a Viscondessa de Bettencourt, Francisco Perfeito de Magalhães e D.ª Adelaide Vilalva de Magalhães, participam a todos os seus parentes e pessoas das suas relações que foi Deus servido levar da vida presente sua muito querida esposa, irmã e cunhada, a Ex.ª Sr.ª D. Mécia dos Prazeres de Magalhães Perfeito, a qual faleceu na sua casa da Corredoura de Cambres (Lamego) no dia 29 de junho último.”.
Jornal “A Nação” de 10 de julho de 1903
“Lamego, 4 de julho,
Sr. Redator:
À 1 hora da manhã do dia 29 de julho, faleceu na sua Casa da Corredoura a Ex.ma Sr.ª D. Mécia dos Prazeres Perfeito, depois de um grande e penoso sofrimento.
A ilustre fidalga nasceu a 14 de abril de 1837, tendo por isso 66 anos.
O seu enterro foi dos mais imponentes a que temos assistido, concorrendo a ele tudo quanto há de mais distinto de Lamego, Régua e Armamar, podendo dizer-se com verdade que se encontrava toda a população de Coimbra a prestar a sua homenagem ao cadáver da nobre extinta.
Para se avaliar da grandiosidade do seu funeral, bastará dizer-lhes, que os ofícios fúnebres foram cantados por 45 padres, que se incorporaram no acompanhamento e quase todos haviam celebrado missa por alma da finada sendo várias celebradas na câmara ardente.
Era luxuosa, apesar de ser de luto, a ornamentação da igreja paroquial erguendo-se ao centro um rico ( ), onde descansava o féretro.
O préstito de casa para a igreja e daqui para o cemitério era verdadeiramente imponente!
Logo atrás do caixão seguiam duas irmãs hospitaleiras, que haviam sido enfermeiras da Sr.ª D.ª Mécia, durante o período mais perigoso da sua doença.
A chave do caixão foi conduzida pelo digno par do reino Sr. Macário de Castro, como parente mais próximo da nobre finada.
O cadáver foi depositado no jazigo da família Perfeito de Magalhães, no cemitério de Cambres, sendo depois disto distribuídos 100$00 reis pelos pobres, por sua expressa determinação.
Lembramos ter visto os seguintes cavalheiros: coronel de infantaria 9, major Carvalhais, capitão Viera de Castro Luiz, tenente ajudante Guerra, Artur Mendes, Drs. Albuquerque Barata e Antonio da Costa Flórido, Henrique de Vasconcelos, Macário de Castro, comendador Diogo Ruy Lopes de Carvalho. Francisco da Silveira, B. da Costa Gouveia, António Pinto Ribeiro, de Lamego, António Barata de Coimbra, António da Costa e Gouveia e Cunha, da Régua, Acácio Borges de Armamar, Dr. José Bráz de Tondela, Almeida Monteiro, Guedes Pereira, Paiva Pinto, Correa Guedes, de Cambres, e muitos outros de que dificilmente poderíamos ter tomado nota.
De casa onde esteve em câmara ardente n’um dos grandes salões, para a igreja e d’aqui para o cemitério, seguraram as toalhas do caixão os srs. António da Costa de Gouveia e Cunha, Comendador Diogo de Carvalho, Henrique de Vasconcelos, António Barata de Coimbra, Francisco da Silveira e João Perfeito de Magalhães, sobrinho da extinta.
No préstito ia também a Filarmónica de Cambres, que generosamente se ofereceu para prestar esta homenagem de respeito, aquela que apelidavam de “mãe” dos pobres da freguesia de Cambres.”.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Crónicas Agrícolas - XI

É verdadeiramente admirável o que acabamos de observar; vivendo nas cidades, estávamos completamente leigos em assumptos agrícolas, quase como só outro que perguntava como era que plantavam couves.
Um ano na escola prática de Coimbra, outro n’um posto ampelográfico em Trás-os-Montes, foram bastante para nos abrir um pouco os olhos, embora ainda quase fechados em assuntos d’esta ordem.
Pois bem, de tudo o que temos visto, estudado e observado, nada há que nos causasse maior espanto, nada que nos causasse maior admiração, do que o trabalho verdadeiramente admirável das chocadeiras.
Assistimos, encolhendo os ombros, um pouco escarninhos, ao acender dos candeeiros da chocadeira. Fomos nós que marcamos a lápis os ovos para se poderem voltar e ao fazermos estre trabalho, o sorriso incrédulo volteava nossos lábios.
A nossa divisa é como a de S. Tomé: ver para depois acreditar.
Cinco dias depois, na escolha dos ovos, o sorriso deu lugar ao pasmo. De dentro da gaveta da chocadeira, saíram 70 ovos, que vistos à luz apresentavam sinais evidentes de pintainhos futuros.
Passaram-se 21 dias e nós aqui o confessamos, muita vez tivemos ganas de abrirmos a gaveta fora de horas, para observarmos os ovos.
Uma tarde, aberta a gaveta, descobriu-se um ovo picado e apurando o ouvido, ouvimos uns pios dolorosos.
Era, pois verdade…. a ciência era até mãe….. de pintainhos!
Horas depois, alguns ovos quebravam-se, e de dentro, fazendo esforços desesperados para se desligarem da casca, saíram os pobrezinhos sem mãe.
Passados para a criadeira, permaneceram sem comer 24 horas, digerindo uns restos de gema, que têm no papo.
No dia seguinte finos, alegres, comiam pela primeira vez, ensinados não pelo bico da galinha, mas pelo bico de um …. lápis.


Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 14 de Maio de 1901 sob o título “As Chocadeiras”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Notícia publicada no jornal "A Época" de 30/11/1920 - Batizado de Duarte Miguel Perfeito de Magalhães e Menezes de Villas Boas, 5.º Conde de Alvelos, na Igreja paroquial de Cambres


Após o batizado de Duarte Miguel Perfeito de Magalhães e Menezes de Villas-Boas, só voltaria a ser batizado um "Perfeito" na paróquia de São Martinho de Cambres, 61 anos depois, em 30/05/1981, na capela da Casa da Azenha. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Crónicas Agrícolas - X

Ao mesmo tempo que aparece nas livrarias um primoroso estudo sobre a sericultura portuguesa, devido à pena do distintíssimo agrónomo diretor da Estação Transmontana de Fomento Agrícola, sr. João Inácio Teixeira de Menezes Pimentel, o bicho-da-seda, agora cor de puro ouro, caminha pela rama na ansia de fabricar o casulo.
Depois de verter seus líquidos, pois ele não quer sujar a sua preciosa casa, prende à rama o fio, e envolto pouco a pouco n’ele, vai desaparecendo suavemente aos nossos olhos, fabricando o seu próprio caixão.
Não se contenta na morte com pouco, o bicho. Vai envolvido, em seda pura, n’um labirinto de fios cor de ouro, tecido por ele próprio, feitos do seu próprio ser.
Como Napoleão, que não achou ninguém digno de lhe colocar a coroa imperial na cabeça, colocando-a ele próprio, o bicho-da-seda orgulhoso, e nobre, não deixa que ninguém lhe fabrique morada. E tem razão. Que túmulo pode haver mais caro e mais gentil!
Coisa estranha!
Aquela lagarta grande e feia, não mete nojo a ninguém. Se ela é que cobre de gala as nossas gentis leitoras, fazendo salientar os seus dotes encantadores n’uma suprema apoteose de beleza! Se é ela que vai em récitas de gala pôr a nota soberba, no mundo elegante, fazendo com o ruído especial d’um vestido, produzido pelo seu trabalho riquíssimo, perceber que se aproxima uma encantadora mulher, envolvida em sedas e rendas!
Nobres lagartas, criadas aqui nos lugarejos transmontanos, em melancólicos e pobres casebres, surgindo por entre encostas áridas e secas, como sabem fazer brilhar o seu trabalho, no meio de mil flores, de lumes e do cintilar dos diamantes.

Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 15 de Junho de 1902 sob o título “O bicho da seda”.
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Crónicas Agrícolas - IX

Vamos principiar as experiências nas castas mais temporais.
Primeiro, contam-se os cachos de cada vara, da videira de cada casta; em seguida o número de cachos para fazer um kilo; depois o peso do cango de cada kilo de cachos. Pisam-se as uvas e para sair o sumo até à última gota juntam-se as peles, as gemas, as grainhas dos bagos e mete-se tudo n’uma prensa que obriga a deitar a última lágrima do sumo do kilo de cachos. Lançado o mosto n’uma proveta mete-se dentro o alcoómetro para medir a força alcoólica do mosto; o mostímetro, para lhe medir a densidade e finalmente o termómetro, para nos mostrar a temperatura.
Por último analisa-se na proveta graduada, o volume do mosto do dito kilo de cachos. Marca-se o dia em que foi feita a experiência e depois de comparada com a dos anos anteriores toma-se nota de tudo.
Na Escola de Agricultura em Coimbra, o distinto agrónomo Baptista Ramires, marcava para cada casta madura, para se lhes fazer favoravelmente a vindima uma densidade de 1:070 e uma força alcoólica de 11. Feita a experiência d’uma casta, voltamo-nos para outra, e assim todo o dia, n’uma lufa-lufa, ouvindo lá em baixo no ribeiro, cantar as lavadeiras e nas eiras os sons secos, compassados, dos malhos batendo no pão.
De vez em quando o gemer agudo do eixo d’um carro de bois, ou a voz rouca do feitor do posto, o Valeriano, gritando ao filho:
- Manoel, talhão tanto, fileira primeira. Sim… o moscatel preto.
E nós ouvimos o nome da casta, o olhar fito no teto da sala de experiências e a mão aperta indolente o mostímetro.
É que o nosso espirito sonhador, roga então pelo passado e nós julgamos – tantos anos atrás que lá vão! – transportados à quinta da nossa avó ao saudoso Alvellos, quando pequenitos de bibes brancos, corríamos pela vinha em busca de moscatel preto, a casta mais doce que conhecíamos.
- Então é necessário trabalhar diz do lado o nossos chefe.
Adeus recordações da mocidade… toca a trabalhar, sem descanso, enquanto duas lágrimas sentidas, deslisam lentamente pelo rosto como homenagem ao nosso passado, muito mais feliz que o presente.

Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 22 de Agosto de 1901  sob o título “Assuntos Agrícolas – Experiencias”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Antónia de Noronha Guedes Carvalho Leme Cernache, Senhora das Casas da Vandoma e Adebarros - grande benfeitora da Santa Casa da Misericórdia do Porto.



Busto de D.ª Antónia de Noronha Guedes Carvalho Leme Cernache
 no Hospital de Santo António, Porto.
Quem passa no Porto pelo jardim Carilho Videira, o popularmente conhecido jardim do Carregal, não fica indiferente à monumentalidade do edifico neoclássico no qual esta instalado o antigo Hospital Real de Santo António. Projetado pelo arquiteto inglês John Carr (1727-1807), e construído entre 1770 e 1824, o Hospital Real de Santo António foi pensado para substituir o antigo hospital quinhentista de D. Lopo de Almeida, que se situava na Rua das Flores. O projeto inicial de John Carr - um edifício neopaladino com quatro alas monumentais, com paredes de tijolo e uma capela de cruz grega com zimbório localizada do pátio, abrangendo uma área de 28.721m2 – por não ter tido em conta a realidade portuense e os constrangimentos económicos e políticos que então se faziam sentir, nunca chegou a ser totalmente concluído, tendo-se procedido a grandes alterações face ao projeto inicial, passando o edifício a ter planta em U, prescindindo-se da construção da fachada poente e encurtando-se os corpos norte e sul.

John Carr
Foi graças a António Roberto de Oliveira Lopes Branco (1808 – 1889), o qual foi provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto entre 1854 e 1861 e grande promotor da continuação da construção do Hospital de Santo António, nomeadamente da conclusão da frontaria do Hospital, a edificação da ala norte no sentido leste-oeste, que a Confraria da Santa Casa da Misericórdia do Porto mandou esculpir em pedra o busto de quatro dos seus mais importantes beneméritos, a fim de servirem de inspiração e estimulo para outras doações que permitissem continuar tão imponente e necessária obra. Inicialmente colocados entre as colunas que adornam o corpo central da fachada principal do edifício, foram posteriormente transferidos para o átrio do andar nobre do primeiro andar, onde ainda hoje se encontram. São eles os bustos de D. Lopo de Almeida, João Teixeira de Guimarães, Joaquim José de Campos e de D.ª Antónia de Noronha Guedes Carvalho Leme Cernache.

E é precisamente D.ª Antónia de Noronha Guedes Carvalho Leme Cernache que este pequeno texto pretende recordar. D. Antónia de Noronha Guedes Cardoso de Carvalho Leme Cernache nasceu em 20 de Novembro de 1827. Era filha de Vicente de Noronha e Melo Leme Cernache e Távora, fidalgo da Casa Real, coronel de milícias no Porto, senhor dos morgados da casa de Vandoma (Porto), de Loivos (Baião), dos Cernaches (Chaves), dos prazos da Aveleira do Mosteiro de S. Pedro das Águias, de César e Sarnes, entre outras, e de sua mulher e prima co-irmã D. Maria-do-Carmo Guedes Cardoso de Carvalho Rebelo, 6.ª administradora do vínculo de Adebarros e 9.ª dos Reis Magos, entre outros. 

Hospital de Santo António, Porto.
Era neta paterna de Bernardo de Melo Vieira da Silva Menezes, natural de Porto de Rei, fidalgo cavaleiro da Casa Real (alvará de 27.11.1779), cavaleiro das Ordens de Cristo e da Torre e Espada, entre outras e de Antónia de Noronha Leme Cernache, nascida em  11 de Março de 1748; e falecida em 10 de Maio de 1811, senhora dos direitos reais de Távora e da Quinta da Aveleira, dos morgados dos Cernaches (Chaves), e de Macieira de Sarnes, padroeira das Igrejas de Santa Eulália de Macieira de Sarnes e de São Pedro de Cesar, senhora da Quinta de Loivos da Ribeira e padroeira de Santa Maria Madalena, e neta materna de Sebastião Guedes Cardoso de Carvalho da Veiga, fidalgo Cavaleiro da Casa Real (alvará de 02.11.1768), capitão-mor de Caria, 5.º administrador do referido vínculo de Adebarros e 8.º dos Reis Magos e de sua mulher D. Antónia-Floriana de Melo Macedo, da casa de Porto de Rei.

Com o falecimento do seu Pai em 1834, D. Antónia herdou uma vasta fortuna, a qual veio a ser administrada pelo seu tio materno, com quem casou em 29 de Fevereiro de 1840, António Perfeito Pereira Pinto Osório, fidalgo da Casa Real, senhor das Casas da Corredoura e Azenha na freguesia de Cambres, concelho de Lamego, da Quinta de Entre-Águas na freguesia de Santa Marinha do Zêzere, concelho de Baião, da Casa da Estopa/Balcões em Mesão Frio, entre muitas outras. 

Casa de Adebarros, em Penso, Sernancelhe.
D.ª Antónia de Noronha Guedes Carvalho Leme Cernache, era assim 7 º administradora do vínculo de Adebarros, 10.ª dos Santos Reis Magos, administradora dos vínculos do morgadio dos Cernaches (Chaves), de Macieira de Sarnes, dos Lemes (Loivos da Ribeira), do Nauzinha e do Deão João Freire Antão, e a última senhora da famosa Casa da Vandoma, expropriada e destruída em 1855 pela Câmara Municipal do Porto.

D.ª Antónia morreu a 11 de Setembro de 1857, na Rua dos Cònegos, com apenas 29 anos. Não tendo deixado descendência do seu casamento com o referido António Perfeito Pereira Pinto Osório, foi herdeiro dos vínculos que lhe vieram pela parte paterna, o seu primo Álvaro Leite Pereira de Mello e Alvim, fidalgo cavaleiro da Casa Real, comendador da Ordem de Cristo, senhor das Casas e Quintas de Campo Bello, Atães, S. João Novo, etc. Por sua vez, os bens que herdou de sua mãe ficaram para o marido, assim como o recheio de todas as suas casas. Finalmente os bens livres da herança foram deixados à Santa Casa da Misericórdia, tendo António Perfeito Pereira Pinto Osório ficado como usufrutuário da Casa de Vandoma.

sábado, 1 de setembro de 2018

Crónicas Agrícolas - VIII


Nas aldeias, ainda escuro como breu, aí pelas 4 horas da manhã, vibra, cortando o silêncio da noite a corneta do feitor chamando o povo ao trabalho.
Manhãs frias, a neve a cair aos farrapos; manhãs pardacentas, de neve e geada. Mulheres e homens partem para o dever, pelos campos fora, campos imaculados de brancura. Oh! Que horrível tempo. Faz frio, que importa? Ganham as mulheres 120 reis, os homens dois tostões! Geiras da azeitona são boas e só essa pobre gente as tem melhores em junho, o tempo das cegadas, quando o luar é morno e o sol queima.
Os homens armados de grandes varas trepam às oliveiras e deitam as azeitonas à terra; as mulheres curvadas, apanham do chão, com os dedos gelados, a estremecer de frio… mas com a esperança no fim da tarde ganharem… 120 reis.
Pobre gente! Pobre gente!
As oliveiras mais conhecidas na região transmontana são:
- A verdial, de aspeto escuro e severo.
A madural, mais clara, mais branca.
A madural moleirinha, de azeitona às pintas vermelhas.
A cordovil a mais bela, a melhor. De folhas prateadas pela parte inferior. Atinge grande desenvolvimento nas Beiras, e é querida e estimada em toda a parte.
Ainda existem outras castas, sendo contudo, aqui a Verdial a dominante.

 Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 27 de dezembro 1902 sob o título “A apanha da azeitona”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Crónicas agrícolas - VII

A poda Guyot, como também a cultura pelo mesmo sistema, são hoje as dominantes n’estas ribas do Douro. Vara e polgar ou vara e torno com o olho da base tirado e outro desencontrado d’este (quase sempre o penúltimo) na vara tal é a poda usada geralmente sobre americanas.
Ainda existem mesmo n’estes terrenos do Douro, cepas nacionais que nunca foram tratadas pelo sulfureto de carbónio que ainda vegetam, que ainda dão uvas… mas cuja poda a gente entrega aos velhos caseiros, para como eles dizem, não darmos cabo do vinhinho.
E realmente essas vides apresentam uma tal complicação na poda que se nós fossemos aplicar-lhes a poda Guyot perderíamos bastante vinho.
Temos um velho caseiro, o Lourenço, que ainda faz mergulhias com as varas nacionais e que nos olha rancorosamente quando lhe afirmamos que em tempo mais ou menos próximo, as suas queridas vides nacionais eram mortas pelo ferro assassino da surriba,
Pois apesar da ameaça o bom velho vai ainda fazendo murgulhiar com as suas nacionais, ameaçando as americanas na sua linguagem pitoresca e afirmando que estas últimas vivem quando muito trinta anos e as suas cem a duzentos.
Então vem a réplica soberba:
- Se a senhora D. Filoxera deixar.
Então o olhar do velho Lourenço, abrangendo os altos do seu Douro, tem qualquer coisa de melancólico. É que ele ainda é do tempo da velha cultura nacional, quando a plantação era a ermo e não se aplicavam esses mil remédios que a cultura moderna necessita e o vinho honrava o país.
Ainda como ele diz…. é do tempo das visitas do inglês.
Embora o sr. Pereira Coutinho com a sua legítima autoridade diga no seu livro Cultura da Vinha que a cultura Guyot pelos mil cuidados que pede está bastante abandonada em França, na região do Douro é estimada e querida.
As outras culturas, mesmo como a Sylvaz e Cazenave são completamente desconhecidas pelos agricultores menos ilustrados.
Deixando por hoje as culturas vamos dizer que o Douro se está preparando para um violentíssimo movimento de protesto contra as casas estrangeiras que falsificam o nosso vinho do Porto.
Na Régua já falou a esse respeito o Sr. Oliveira Feijão e em Alijó e Lamego tem havido importantes reuniões de viticultores que estão bem dispostos a lutar.
Assim seja.
Casa da Azenha, Douro.

Originalmente publicado no jornal “A Nação” de 17 de Dezembro de 1903 sob o título “Assuntos agrícolas – I”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Crónicas Agrícolas - VI

Já principiaram no nosso posto as vindimas.
Por debaixo da sala de experiências, onde estamos a escrever, fermenta já o mosto, composto de moscatel preto, roxo e branco.
Em frente de nós, aberto no capítulo de vindimas, acha-se o Guia do Vinicultor, do sr. Pereira Coutinho e na vinha, vindimam raparigas, cantando canções d’amor, que chegam aos nossos ouvidos, fazendo-nos esquecer o estudo, para nos lembrar a conhecida quadra do centenário da sebenta solenizado em Coimbra.

Ó vós que estudas ainda,
Deixa os velhos calhamaços.
É ciência mais linda
A dos beijos e abraços.

Por entre as folhas das vides surgem aqui e além, lenços vistosos das vindimeiras que armadas de tesoura, navalha ou secador, cortam os cachos, enfiando pela boca ao mesmo tempo as uvas saborosas do moscatel.
As vindimeiras, trazem de ordinário, dois cabazes, onde recolhem respetivamente as uvas boas e as podres, servindo estas últimas para vinho de obreiros, ou para destilarem no alambique. Cheios os pequenos cabazes, são as uvas baldeadas nos balceiros ou dornas, enormes, depois de passadas e esmagadas pelos esmagadores Gaillot.
Está provado que o calor da perna do homem, faz a fermentação mais forte, mas também está provado que esse sistema é porco, além de que não incuba ao mosto ar, como o faz o agitador. A fermentação com o aparelho Guyot é mais demorada, mas também mais limpa e mais perfeita.
Fermentado o mosto, passa-se o bagaço para a prensa Mabille, que calcando-o completamente, o faz deitar a última gota de mosto.
Passa-se o vinho da balsa para as pipas tendo o cuidado de deixar nos primeiros tempos, aberto o buraquito de cima da pipa, para deixar aquietar o mosto, pois de contrário a pipa rebenta.
Durante a fermentação desprende-se do mosto torrentes de gás carbónico, que como se sabe misturado no ar na proporção de 20 010 produz a asfixia, o que o ano passado ia causando a morte de um homem, no nosso posto, que teve a estupidez de descendo à dorna, baixar a cabeça a um nível inferior aos bordos da mesma dorna.
Ainda lhes acudimos a tempo.
A ciência também aconselha a lavagem das uvas em grandes tanques, antes de precipitados nos esmagadores mas isso é difícil de realizar na prática.
Se a fermentação amua é conveniente o arejamento: fustigando bem o mosto e em casos extremos por falta de fermento, empregam-se outros meios, como deitando no mosto fermento selecionado e não havendo estes como último recurso, mandam-se cortar folhas de videiras, espremem-se até deitarem dois decilitros de água amarelada. Em seguida tira-se da dorna um pouco de mosto, e mistura-lhe a água, deitando-se em seguida, logo que o fermento principiar a trabalhar, tudo outra vez na dorna.
Como se sabe o fermento existe em grande força nas folhas da videira.
É indispensável recalcar o chapéu duas ou três vezes durante a fermentação tais são as recomendações que nos ocorrem ao correr da pena sobre o assunto.
Sem dúvida outros mais ilustrados e inteligentes podiam escrever muito e muito mais, mas cada qual dá o que tem.

 Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 22 de agosto  de 1902) sob o título “Vindimas”.
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Crónicas Agrícolas - V

Apresenta este ano um lindo aspeto o vinhedo e não é menos magnífico o aspeto do milho a crescer soberbo de verdura e de força por entre as cepas. Ano magnífico… se as trovoadas deixarem.
Em Rio Bom, abaixo da freguesia de Cambres, o aspeto das vinhas é verdadeiramente encantador. A conhecida Quinta da Azenha, até agora abandonada por um inqualificável indiferentismo, ao tojo e às giestas, galharda e nobremente pagou ao novo proprietário o tributo de gratidão de umas leves melhoras, como foi a cava e os tratamentos devidos. Cepas existiam que não tinham sido cavadas… havia 27 anos e ainda o ano passado deram, embora o aspeto delas fosse miserável. Velhas cepas nacionais, velhos e pobres testemunhos do que foi em outros tempos o Douro, como se tornaram fortes depois da cava.
Elas, que segundo dizem, não tinham provado aquela limpeza 27 anos, ao verem-se livres de terrível grama e do fetos, estremeceram até as raízes e os pâmpanos que começavam então a arrebentar em lugar de marcharem direitos e fortes para o azul do céu desmaiaram e as verdes folhas descaíram exportadas. Mas rápida foi a reação.
Em breve a fineza ao pâmpano voltou, a seiva qual corrente forte, correu como o nosso sangue nos corre nas veias em dias de saúde, depois de uma doença, todas as varas das cepas e agora os cachos surgem por entre as folhas a denunciarem uma promessa de 5 pipas e meia… n’uma vinha velha saudável que sem cova nem tratamento… o ano passado deu meia
Ponham aqui os olhos srs. viticultores e vejam n’este exemplo se não têm valor os cuidados indispensáveis ao vinhedo.
O milho apresenta também um lindo aspeto, devido às últimas chuvas.

Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 9 e Junho de 1904 sob o título “Assuntos agrícolas, Portelo Douro”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

terça-feira, 22 de maio de 2018

Crónicas Agrícolas - IV

Nas eiras banhadas por este morno luar de agosto, levantam-se grandes medas de palha e pelas madrugadas, somos acordados pelos malhadores na sua faina trabalhosa e hábil debatendo compassados com os malhos no grão, o fazerem saltar da espiga, separando-os da palha.
Em volta dos malhadores, atentas ao serviço, gentis e formosas raparigas, aguardam a ocasião de voltarem a palha, olhando os namorados, que enérgicos lá vão trabalhando, com a camisa colada ao corpo e o suor escorrendo pelo moreno e melancólico rosto.
Seis, dez, doze malhadores de cada lado, avançando, ora um grupo ora outro, batendo amestrados na palha, fazendo saltar da sua guarita o grão e dando o espetáculo agradável de ouvir bater compassadamente no grão, como na fileira os soldados disciplinados descarregando armas à voz do comandante.
Desde as três da manha até às seis da tarde n’este serviço rude, cantando para espalhar tristezas, mas numa toada melancólica, que nos faz lembrar as canções da tarde, ao recolher do trabalho, quando os sinos da Igreja tocam Avé Marias e o sol pondo cintilações de oiro no cume das montanhas, desaparece suavemente. Oh! tardes de tristura no campo, Oh! ridentes e frescas madrugadas pelas serras! E os malhadores trabalham todo o dia, descansando ao almoço, ao jantar e à merenda, que as mulheres, as filhas e as irmãs, lhes levam em cestos de vime, tendo na cabeça como diz Junqueiro, chapéus de palha que ainda não vai um mês deu trigo e brincos rubros de cerejas presos nas orelhas.
E quem escreve estas linhas, então lembra-se d’essas noites de calor, passadas à mesa da redação, entre amigos; ao lado o São Boaventura hoje do Século, em frente o Zuzarte de Mendonça, com a fronte inclinada sobre o papel n’uma atitude doentia própria de lisboeta do nosso Ruy Gomez, do Bruschy, do reverendo Santos Farinha, todos brancos e magros.
Vinde vós amigos pegar n’um malho, vinde respirar o ar puro d’estas montanhas, vinde observar com o Maga esta negra e forte… deixai por meses essa redação, vinde beber das tetas das cabras o leite puro trasmontano, e colher na beira dos caminhos a negra amora da silva.
Porque eu vos prometo que depois não ficariam só 50 ?? das lunetas dos redatores do Mundo nas vossas mãos havia de ficar mais qualquer coisa…. o nariz pelo menos do republicano e talvez um bocadinho de orelha – d’esse reco.
Trabalhos da época… agora nos lembra que tem por título este artigo mas se nada mais temos a dizer sobre o assunto….
- Foram chamados a Lisboa os regentes agrícolas que o não são. Já é uma prova da retidão do carácter do sr. Francisco Vargas dando razão às vozes indignadas da imprensa.

 Originalmente publicado no jornal “A Nação” de 22 de agosto de 1901 sob o título “Trabalhos da época”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

terça-feira, 17 de abril de 2018

Crónicas Agrícolas - III

A mascarada passa galhofeira, por entre a indiferença d’este pobre povo habituado já a tais farsadas.
É demais, é porco e quase impossível!! Pois quê?! Que direito têm esses dez homens sem curso, a irem tirar o lugar a outos dez com ele? Que direito têm eles afigurarem n’um quadro de diplomados, sem terem talvez o exame elementar? E o mundo continua no seu girar de 24 horas, convidando os dez regentes a levantarem-se de manhã, a deitarem-se de noite, a comerem duas a três vezes no dia e a chamarem estúpidos aos verdadeiros regentes, que não protestam com tal camaradagem, que lhe desonra a classe, apontada pelo público (com tais exemplos pudera) como uma das mais baixas, como uma das mais porcas.
Regentes verdadeiros, não é um de vocês que fala, é um amigo, um estranho, que tem visto e analisado o vosso laborioso trabalho, que vos ama e que reconhecido e grato às vossas eruditas explicações dadas sempre da melhor vontade, vou hoje perante o público, protestar enérgico contra a baixeza da vossa classe, tão digna e tão trabalhadora.
Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo, vocês expulsem os vendilhões do vosso nome honesto, do vosso trabalho e do vosso saber.
Os verdeiros regentes têm uma associação e um jornal O Lavrador, que gritem, que berrem na imprensa, na associação, no parlamento perante os ministros, perante o rei, perante o povo, n’um protesto vibrante de indignação e de cólera.
É pirata aquele que tira qualquer coisa a outro. O que será então aquele, que lhe tirou não só lugar, mas a posição o saber e nada menos que a reputação que se em parte foi conquistada pelo estudo na outra parte é calcada aos pés pelos colegas mascarados?
Fora!... É necessário, é urgente correr à pedrada os lobos que se meter para comer, à força no vosso quadro.

Originalmente publicado no jornal “A Nação” de 4 de Agosto de 1902 sob o título “Regentes Agrícolas II”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

terça-feira, 13 de março de 2018

Crónicas Agrícolas - II

No Diário do Governo de 5 de Julho d’este ano, surgiu a este ameno sol de verão, assinada pelo sr. ministro das obras públicas, a reorganização do quadro dos regentes agrícolas e nada menos de dez, nem sequer sonharam com as águas murmurantes da poética Granja de Cintra, nem com encantadores panoramas do vale de Santarém, nem sequer olharam os salgueiros da margem do Mondego junto à Bencanta.
Alguns d’estes srs. regentes nunca até viram a cara chupada e pálida de um mestre escola d’aldeia.
Isto em linguagem do povo quer dizer que estes dez regentes, nunca passaram pelas três escolas que os formaram, e que alguns nem mesmo sabem colocar convenientemente meia dúzia de letras para formarem o seu próprio nome.
Dez regentes agrícolas, que o não são, tendo os seus nomes, escritos pelos empregados das secretarias do ministério que não por eles, figurando no quadro, prejudicando dez verdadeiros regentes com quatro anos de estudo nas escolas agrícolas.
Oh! Rapaziada! Vocês regentes verdadeiros, raparam erva no primeiro ano, lavaram beterraba no segundo, estudaram, aturaram diretores, lentes, viram a cara do Sá todos os dias, deitaram-se todos os dias com as galinhas, analisaram o casaco cor de pinhão do simpático agrónomo Ochoa, e no fim de tudo isto com o vosso diploma nas mãos, não podem entrar no quadro porque dez pândegos, uns analfabetos, outros reinadios, lá estão nos vossos lugares ganhando a vossa massa, prejudicando os vossos direitos. Outro dia encontrámos por acaso um d’esses dez e falando-se em agricultura, fecha prudentemente a boca. Nós sabendo-o regente desfechamos-lhe esta pergunta nas faces coradas de pejo:
- Como é que se plantam batatas?...
Ele cerrou ainda mais a boca, virou as costas e foi-se embora, dando com isso uma prova do que dos dez não era um dos mais tapados.
Quem escreve estas linhas, esteve numa escola agrícola, é empregado n’um posto ampelográfico sob modesto mas mais honroso título de apontador e desafia todos esses dez, um a um, dois a dois, três a três, como no Regente de Marcelino de Mesquita, a virem para a imprensa, para este jornal, mostrar que sabem como se plantam couves.
Sr. ministro das obras públicas o abaixo-assinado, apontador desejando ser médico, engenheiro, ou doutor em leis, não tendo passado porém, pelas escolas superiores, espera que v. exa. o coloque no quadro dos engenheiros, visto não ser necessário curso algum para se ocuparem oficialmente cargos dependentes d’um curso oficial.
Nos tempos que vão correndo é certo que basta um padrinho e já estamos a imaginar o nosso primeiro encontro com o sr. Vargas e quando nos vir engenheiro. Levantando dois dedos, passaremos desdenhosamente, atirando-lhe de caminho com a frase familiar:
- Adeus Colega.

Publicado originalmente no jornal “A Nação” em 23 de Julho de 1901 sob o título “Regentes agrícolas”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Crónicas Agrícolas - I

Acabamos de saber, que se tentam organizar no Porto várias escolas agrícolas, que descansando um ano em cada aldeia, serão como verdadeiras missões, ensinado de freguesia em freguesia, os mais elementares princípios da lavoura estudiosa, que o nosso lavrador desconhece inteiramente.
Boa e sublime ideia para outro povo que não fosse o nosso. Generoso pensamento que durante algumas horas, encheu de vivo entusiasmo o nosso espírito, entusiasmado no primeiro rompante, como sabendo escolher os pensamentos em que predomina o amor da pátria, e os impulsos de maior desinteresse d’uma obra generosa. Mas quem de perto, analisar o nosso meio agrícola, ligado inteiramente à política alvar de campanário, quem estudar o carácter do pequeno lavrador; quem lhe souber as manhas, e analisar a inteligência e o orgulho que o faz rir dos estudos agrícolas feitos pelos diplomados e criticados por esses sábios, que se julgam na maior partes das vezes, sabendo apenas escrever o seu nome, os verdadeiros professores da agricultura, porque herdaram a prática rotineira dos avós e dos pais, depressa acha que essa ideia benemérita de criar escolas agrícolas móveis, não é por agora própria, a realizar-se.
O lavrador analfabeto, tem raiva ao lavrador estudioso, porque este não só lhe vem desfazer por completo a prática rotineira, herdada da família, como também se mostra em tudo superior.
E a inveja no nosso meio aldeão é o sentimento dominante. Por tanto o lavrador começará rindo das escolas, abandonará as aulas se estas escolhas agrícolas não se fizerem acompanhar de máquinas e provas evidentes e palpáveis para abismarem a tradição agrícola e antiquada do povo, fazendo-o (o que será extremamente difícil por agora) compreender as vantagens da agricultura moderna.
Por essa razão não nos parece que vença a civilização. O exemplo deve partir dos grandes proprietários, que contra a vontade dos seus caseiros, acabem de vez com a tradição, fazendo surgir enfim a ciência agrícola.
De contrário, parece-nos difícil porque o pequeno lavrador terá medo de deixar de seguir a sua agricultura por uma outra mais aperfeiçoada na dúvida de perder os seus haveres.
Enfim é possível que essas escolas pouco a pouco ensinem o lavrador a grande ideia civilizadora.
Em todo o caso não podemos deixar de acolher no fundo do coração de bons portugueses tão simpático e generoso pensamento.

Publicado originalmente no jornal “A Nação” de 16 e Julho de 1901 sob o título “Escolas agrícolas móveis”. 
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).