Memórias da familia Perfeito de Magalhães - omaganifico@gmail.com

domingo, 30 de junho de 2013

O CORAÇÃO

O CORAÇÃO

Surgira já do nada o Universo e Deus,
Revolvendo o mundo por entre os dedos seus,
Dava-lhe complacente a ultima de mão...
E ia a collocar na etherea imensidão,
O atomo da terra, sereno a gravitar,
Quando, sorridente, se lembrou de perguntar,
A douta opinião do génio da maldade...
"Tem muita graça o mundo e a grande imensidade
"É bella com efeito." Satan lhe respondeu,
"Mas haveis de permitir, emfim.... que tambem eu,
"Trabalhe, invente e faça na obra collossal"!
"É justo". Disse Deus. E da neve virginal,
Então Satan compoz com todo o seu cuidado, 
O corpo da mulher - o germen do peccado - 
E foi pedir a Deus uma alma p'ra lhe dar....
E enquanto o Creador, ficava a trabalhar,
O oiro burilado da alma da mulher,
Satan, o anjo máu, n'um carvão a arder
Com manhas de panthera, oculto do Senhor,
Cavou e fêz um cofre, pôz-lhe dentro o amôr
E no peito do homem, rôto às unhadas
Foi pôr o coração.... E riu às gargalhadas!

Lisboa, novembro 1897

C. de A.

In Cantares, Typ. dos Caminhos de Ferro do Estado, 1905

segunda-feira, 24 de junho de 2013

SANTO ANTONIO


SANTO ANTONIO

Do nicho da ermidinha,
Que está no cimo do monte
Mesmo defronte do mar;
O Santo fica a rezar
Se alguma vela branquinha
Se vae perder no horizonte.

E reza, reza coitado,
Porque em terra há mais d’uma,
Mais d’uma noiva, que o Santo,
Não quer que tenha por manto,
Por alvo véo de noivado,
Uma mortalha de espuma.

S. Martinho, setembro 1896

C. de A.

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905

sexta-feira, 21 de junho de 2013

QUADRAS DE S. MARTINHO


QUADRAS DE S. MARTINHO

Do Facho, dizem que o mar
Se vê em grande extensão,
Assim pudesse eu olhar,
Dentro do teu coração.

Santo António, as gaivotas
Lá se vão todas cazar,
Que noivas! Todas janotas!
Com véus d’espuma do mar!

Eu também lá hei-de ir
Vêr fugir uma ilusão
A ultima que p’ra Sellir
Me võar do coração.

23-7-94

C. de A.

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905

terça-feira, 18 de junho de 2013

RECORDAÇÕES DE UM PIC-NIC


RECORDAÇÕES DE UM PIC-NIC

Animação estranha debaixo das ramadas
E lindas raparigas,
Desprendiam cantigas
De frescas gargalhadas.
E aquellas solidões vetustas e antigas
Ficavam assombradas,
De verem as lanterninhas do escaler fiscal
Rivalizarem com o tépido luar
Para iluminar,
Debaixo dos pinheiros
O aprumo normal
Dos frios cavalheiros!
E quantos olhares por os pinheiros sisudos
Quantos olhares tão queridos,
Não ficaram perdidos,
Dos olhos amurudos
Pela escuridão?
E que talvez se lhe não derem as sezões
E se Deus, se Deus assim no seu saber dispoz
Produzam, temporões,
Nos campos de Selir
No meio do arroz
Olhinhos a luzir
D’indómitas paixões…
E na volta tudo aquillo me parecia
De lunático sonhar
A fantasmagoria!...
A lua olhava em pranto
D’alvacento luar,
Para a burricada que pelo arreal seguia
Per Dio! Christo Santo!
Dizia-se por lá
Porque razão não fomos todos para a bahia
Ao som do u-lá-lá
Deitar-nos a afogar
E assim continuar
Aquelle meigo sonho
Que era tão risonho
E que o acordar
Da nossa madrugada
Veio desfazer
Em fumo que não volta
Como á noute se solta
A trança da mulher
Que fica desgrenhada.

S. Martinho, outubro 1895

C. de A. 

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905

sexta-feira, 14 de junho de 2013

PRIMAVERA


PRIMAVERA

Oh primavera gentil do tempo que desliza
Entre o correr da fonte e o perpassar da briza

Tu és para nós o dia, a tarde, a madrugada
A noite silenciosa, a noite perfumada

Em que se gosta de ver a solitária lua
A retalhar as sombras na deserta rua

Tu acalmas n’um prompto as iras paternaes
E fazes cordeirinhos os pérfidos chacaes

Eu hei-de versejar, sozinho, no choupal
Mas não tenho agora tempo! Etc. e tal.

C. de A.

Coimbra, 12 março, 1895

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905

terça-feira, 11 de junho de 2013

DESAFIO


DESAFIO

Quem pode reter na queda o raio que fulmina,
E as águas que desabam da montanha com fragor,
Quem afronta impunemente a cólera divina
Que venha, o sceptico, aniquilar o meu amor.

E aquelle que se ri do raio e do trovão
E aquelle que ultraja a Deus, ao Creador
Vencido e humilhado por meu forte coração
Esse, o cynico, o imprudente, acreditará no amor!

C. de A.

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905

sexta-feira, 7 de junho de 2013

AMOR

AMOR

"Só eu comprehendo o amor"
Segredava n'um canto da salinha
Aos pés da condessinha
O novo embaixador


O amôr é como o leve tentilhão
Que cantando vem nas horas do descanso
poisar nas hastes d'um boi manso...
Callou-se! Entrava o conde no salão.

C. de A. 

Lisboa, Dezembro 96

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905

segunda-feira, 3 de junho de 2013

DESAFIO

DESAFIO

Quem pode reter na queda o raio que fulmina,
E as aguas que desabam da montanha com fragor,
quem affronta impunemente a colera divina
Que venha, o sceptico, aniquilar o meu amor.

E aquele que se ri do raio e do trovão
E aquele que ultraja a Deus, ao Creador
Vencido e humilhado por meu forte coração
Esse, o cynico, o imprudente, acreditará no amor!

C. de A.

in "Cantares", Typografia dos Caminhos de Ferro do Estado, 7 de Março de 1905