O CORAÇÃO
Surgira já do nada o Universo e Deus,
Revolvendo o mundo por entre os dedos seus,
Dava-lhe complacente a ultima de mão...
E ia a collocar na etherea imensidão,
O atomo da terra, sereno a gravitar,
Quando, sorridente, se lembrou de perguntar,
A douta opinião do génio da maldade...
"Tem muita graça o mundo e a grande imensidade
"É bella com efeito." Satan lhe respondeu,
"Mas haveis de permitir, emfim.... que tambem eu,
"Trabalhe, invente e faça na obra collossal"!
"É justo". Disse Deus. E da neve virginal,
Então Satan compoz com todo o seu cuidado,
O corpo da mulher - o germen do peccado -
E foi pedir a Deus uma alma p'ra lhe dar....
E enquanto o Creador, ficava a trabalhar,
O oiro burilado da alma da mulher,
Satan, o anjo máu, n'um carvão a arder
Com manhas de panthera, oculto do Senhor,
Cavou e fêz um cofre, pôz-lhe dentro o amôr
E no peito do homem, rôto às unhadas
Foi pôr o coração.... E riu às gargalhadas!
Lisboa, novembro 1897
C. de A.
C. de A.
In Cantares, Typ. dos Caminhos de Ferro do Estado, 1905