O
leitor, aposto eu já, ao ler o título do artigo ou crónica, ou como lhe chama
em Lisboa, pensa logo: cá temos mais uma correspondência falando em colheitas,
na novidade, afirmando que os suínos
engordam, que o sr. regedor anda agora a toque de caixa, às ordens do administrador
do concelho, este às ordens do governador civil, e o governador civil às ordens
do sr. Hintze, que dá carneiro com batatas.
Que
se joga na botica o gamão entre o médico
velho, imagem viva do das pupilas do
senhor reitor e o boticário, ambos unidos, para sem perigo, darem cabo da
humanidade; que o sacristão, toca o sino todas as manhãs…. Maldito sacristão
que me acorda sempre, o estafermo; que as galinhas vão para o poleiro às seis
da tarde, etc., etc.
Pois
não senhor. Esta crónica não conta nada d’isso. Nem conta as lindas alvoradas,
nem a água pura que aqui se bebe, nem o ar saudável do Marão.
Nem
fala nas couves, nas batatas, nas noites de São João, nem nas lindas camponesas
em volta da fogueiras, nem nos Zés com os corações tefe-tefe, a olharem para elas.
Também
esta carta não bota cantiga ao desafio, nem fala em caçadas, não toma por
assunto a vida pacata do campo, nem descreve as mulheres fazendo meia às portas
dos casebres e dizendo mal umas das outras. Nada d’isso, leitor amigo. Não
contamos como são maus os caminhos no Douro, nem descompomos o mestre-escola
por se imaginar colega… em miniatura,
como ele diz, do sr. Fialho d’Almeida, pois o estilo d’ele, mestre, (é o que
ele afirma) parece-se extraordinariamente com o do grande critico.
!!!
Esta
correspondência, leitor amigo, não é feita em sala com as janelas abertas que
deixam entrar o ar embalsamado dos laranjais
em flor, como é sempre costume dizer ou escrever d’aldeia.
Nem
aqui se curva a pena reverente perante os lindos panoramas que se desfrutam…
como escreve o correspondente do Janeiro
de qualquer lugarejo.
Não
contamos as noites de luar, nem analisamos o vestido verde e amarelo da mestre
régia, nem aqui muito em segredo vamos contar a conversa que tivemos com a Tia
do Zé dos Casais… que nos disse que a Ana tinha agora um namoro.
Crónicas
da Aldeia… e o leitor a imaginar que a gente lhe falava n’estas coisas do
campo… que a levada vai baixa com pouca água, que o milho já espigou e que a
égua do sr. reitor teve dois cavalinhos.
Nada;
nós não somos maçadores. Não contamos
que o Zé Joaquim roubou a água ao Patarata, nem o que nos disse agora em
segredo o boticário… que a sr.ª morgada pintava o cabelo e que a criada velha
de lá, tinha chamado urso do monte ao
menino filho mais velho do fidalgo de A-de-barros.
Bem
podíamos contar… Crónica d’Aldeia… o leitor imaginou logo que o filho do
António de Felgueiras, tinha roubado um molho de erva ao Sr. Teles da quinta de
Entre Ventos.
Ora
essa! A nossa carta d’Aldeia, não é como as outras; não conta que o porco da
Joana é o mais pesado do que o do António da Queimada e que o nosso cão de fila
mordeu n’um braço o ano passado a caseira de Tourais.
Carta
d’Aldeia explica… Mas como ela já vai grande, até outra vez, leitor amigo.
PS
– Vai agora a explicação da nossa carta. Desejamos dizer que o nosso hortelão o
Lourenço anda de mal com as filhas do Gago.
Agora
sim.
Originalmente publicado no jornal “A Nação”
em 21 de Junho de 1904 sob o título “Cartas
da aldeia”.
Republicado em Dezembro de 2016, no livro “Entre Montes”, Crónicas do Maga 1900-1904, de José Perfeito de Magalhães de Villas-Boas (Alvellos).
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